quarta-feira, 24 de setembro de 2014

Deus te vê!


"Ao abrir o último armário, oh alegria! Ali estavam as maçãs! Olhou ao redor, para certificar-se de estar sozinho, e ficou na ponta dos pés até alcançar uma delas..."

O edifício que abrigava o convento localizado nas montanhas era imponente e grandioso, mais parecia um castelo de Deus. E isso em nada prejudicava o espírito de pobreza das virtuosas monjas que ali habitavam. Ao contrário, recolhidas e totalmente voltadas à oração, na mais perfeita observância à regra de sua Ordem, o panorama e o ambiente as ajudavam a aproximar-se do Criador, pois sabiam que tudo concorria para a glória d'Ele, para quem viviam.

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Sempre que podia, Eduardo escapulia
com seu cachorrinho para brincar perto
do muro do convento
Trabalhavam a terra, comiam o que cultivavam e vendiam doces feitos com as frutas que lhes produzia seu generoso pomar. Eram famosas as maçãs do convento. Todos da região comentavam que nunca se havia visto outras mais belas e saborosas.
Naquelas cercanias vivia Eduardo com o avô, a quem ajudava em sua marcenaria. Ele sonhava com as maçãs das religiosas... Sempre que podia, escapulia com seu cachorrinho Faru para brincar perto do muro do convento e tentar descobrir onde ficava o pomar. Tinha esperança de achar alguma fruta caída pelo chão.
Já havia feito a Primeira Comunhão e sabia bem que não podia pegar nada alheio. Mas se a maçã estivesse fora do muro não teria mais dono... O cão farejava por todos os lados, o menino buscava e buscava, e nunca encontraram nada! Uma tarde, porém, enquanto vasculhavam os arredores do convento, abriu-se devagar seu imenso portão de madeira.
- Faru - disse Eduardo ao cachorrinho -, será que vão zangar-se conosco por estarmos aqui? Assustado, ele olhava para aquela porta tão grande e gasta pelo tempo, na expectativa do que ia acontecer. Apareceu, então, a irmã porteira, já de certa idade e com a fisionomia bondosa:
Bom dia, meu pequeno! Como você se chama?
- Bom dia, madre! - respondeu - Meu nome é Eduardo. E a senhora, como se chama?
- Sou a Irmã Maria de Jesus e sempre o vejo brincar por aqui com seu cachorrinho. Você mora por perto?
Au, au, au! - ladrou Faru, abanando o rabinho amistosamente, percebendo que havia sido mencionado.
Quieto, Faru! - ralhou o menino. E, dirigindo-se à freira, continuou:
Sim, moro aqui pertinho com meu avô, que é marceneiro.
- Marceneiro?! Há tempos buscamos um, a fim de consertar vários móveis das salas e do refeitório. Será que seu avô poderia fazer isso? Se for possível, pediremos as devidas autorizações ao Senhor Bispo, para que ele possa entrar em nossa clausura e trabalhar.
- Vou falar com ele. Acho que poderia, sim. Só que eu teria que entrar também, pois sou seu principal ajudante...
- Não tem problema, pedimos a autorização para um rapazinho a mais - disse a religiosa.
O menino despediu-se da nova amiga e desceu a ladeira, em disparada, para contar a grande novidade ao avô. Teriam um boníssimo trabalho e ele realizaria seu grande sonho: entrar no convento e conhecer as tão famosas maçãs...
Vovô, vovô! Veja o que aconteceu... - E narrou-lhe tudo.
O avô aceitou a proposta, pois precisavam mesmo de trabalhos novos. As últimas encomendas estavam quase terminadas e ele estava ficando preocupado com sua sobrevivência e a do neto, caso não aparecesse algo. Eram tempos escassos aqueles!
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Por fim abriu o último armário, oh
alegria! Ali estavam as maçãs!
Passadas algumas semanas, chegaram as autorizações do prelado. Eduardo e o avô se dirigiram ao convento para iniciar o trabalho. O menino estava emocionado. Não havia levado Faru, pois podia atrapalhar seus intentos. Contudo, sentia falta do amiguinho nessa hora tão especial.
Entraram pelo grande e antigo portão, e todas as freiras, avisadas das visitas, se recolhiam à sua passagem para guardar a clausura. Visitaram o Santíssimo Sacramento na bela capela, iluminada àquela hora da manhã pelos raios de Sol que incidiam sobre os vitrais, pintando os mármores do piso e das colunas com as mais variadas e brilhantes cores.
Depois de ver o que deveriam fazer, avô e neto começaram a trabalhar: serravam, martelavam, lixavam e poliam. Eram marceneiros de mão cheia!
À hora do lanche, Eduardo parou para descansar e decidiu explorar os aposentos do convento, pensando: "Chegou a hora! Vou buscar a despensa. Seguramente ali estarão armazenadas as maçãs, pois não posso ir ao pomar".
Encontrando a cozinha, refletiu: "Ninguém guarda alimentos muito longe da cozinha. A despensa deve estar por aqui...".
Andava pé ante pé para não despertar a atenção de nenhuma freira. No fundo de um corredor, deu de frente com a tão cobiçada despensa. Lá entrando, viu vários armários, todos muito limpos e ordenados, onde havia latas de arroz, feijão, farinha e açúcar. Onde estariam as maçãs?
Seu coração batia aceleradamente... Abria todas as portas e encontrava potes de vidro, copos, louça, vasilhas de barro, conchas e colheres de pau. E nada de maçãs... Por fim, quando abriu o último armário, oh alegria! Ali estavam as maçãs! Havia também peras, goiabas e laranjas. As maçãs eram de um vermelho como nunca vira. E enormes! Olhou ao redor, para certificar-se de estar sozinho, e ficou na ponta dos pés até alcançar uma delas...
Nesse momento, seu olhar pousou em um bonito azulejo decorativo fixado na parede, que dizia com grandes letras azuis e douradas: "Deus te vê!".
Eduardo ficou pálido... Era verdade! Deus o via e ele estava prestes a roubar uma maçã!
Fechou a porta do armário devagar e voltou cabisbaixo para junto do avô. Não teria sabor
aquela maçã tão bonita se tivesse sido roubada... Sempre se lembraria disso em sua vida, pois Deus vê todos os nossos atos. Jamais estamos sozinhos!
Chegada a hora do almoço, a Irmã Maria de Jesus veio trazendo-lhes uma deliciosa sopa de galinha e verduras frescas, colhidas na horta. E como sobremesa... maçãs!!! O menino mal podia acreditar. Provou a fruta e parecia do paraíso. Nunca comera algo igual! E não havia só uma, foram várias as que a freira lhes ofereceu.
Assim também age Deus conosco. Ele recompensa em abundância aqueles que são honestos e retos de consciência.

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